Saúde mental no ambiente acadêmico: caminhos para uma jornada mais leve

Saúde mental no ambiente acadêmico caminhos para uma jornada mais leve.opti

Busca por produtividade excessiva e cobranças tem consequências para a saúde mental de alunos e professores

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Entre os estudantes, uma rotina pesada de estudos, cobranças por alta produtividade e hábitos diários muitas vezes longe do ideal. Entre os docentes, excesso de trabalho, cobranças por alta performance e dificuldades em conciliar o afazeres com a vida pessoal. Não é de hoje que a saúde mental no ambiente acadêmico é foco de atenção de especialistas da área, mas os fatores que influenciam para que esse ambiente seja tão desgastante ainda são pouco difundidos.

De fato é praticamente inevitável não mencionar o impacto da pandemia na saúde mental no ambiente acadêmico, mas esse não é um fator isolado. Em 2021, a Global Student Survey coletou dados com o objetivo de observar como esse meio estava sendo atingido pelos efeitos da COVID-19, e o Brasil ficou em primeiro lugar entre 21 países quando o assunto era prevalência de transtorno mentais em estudantes, com 76% declarando ser impactados de forma negativa no período.

Em uma pesquisa de 2019 – antes da pandemia – divulgada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 83,5% dos estudantes disseram ter problemas emocionais. Uma outra pesquisa da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com cerca de 509 alunos da graduação apuro de 78,6% passa por algum tipo de transtorno mental.

Os números mostram que a sensação de adoecimento mental é quase que generalizada na comunidade acadêmica. Alguns estudos também mostram que a maioria desses estudantes nunca buscou auxílio psicológico ou psiquiátrico. Num cenário de formação pessoal, onde os estudantes estão, em sua maioria, em transição do final da adolescência para a fase adulta, em um cenário completamente novo e competitivo, parece ser um pouco compreensivo que a saúde mental no ambiente acadêmico seja um suscetível ao estresse diante do novo.

Mas isso não é uma unanimidade somente entre os estudantes mais jovens. As pesquisas evidenciam que, no geral, todos costumam ser afetados, inclusive em estágios mais avançados dos estudos. Um estudo da Fiocruz de 2022 entre pós-graduandos mostrou que 46% dos entrevistados relataram terem sido diagnosticados com ansiedade e 17% depressão.

O cenário de problemas com saúde mental no ambiente acadêmico também não é exclusividade das instituições de ensino brasileiras, já que um estudos da Universidade do Kentucky (EUA), publicado em março de 2018 na revista científica Nature Biotechnology, doutorando são seis vezes mais propensos à ansiedade e depressão que na população em geral.

Relações hostis

Quando o assunto é saúde mental no ambiente acadêmico, são quase unânimes as queixas de hostilidade nas relações interpessoais, em especial nas relações entre alunos e docentes. Muitos estudantes, quando se deparam com o curso dos sonhos, não imaginam que pela frente irão encontrar situações desafiantes com seus docentes, incluindo cobranças desenfreadas e tratamento bem aquém do esperado.

Mas é bem verdade que, entre os docentes, a realidade também não é fácil. Além de conciliar uma vida pessoal com a profissional, muitos docentes também atuam fora da vida acadêmica, e há forte sobrecarga de trabalho. Eles também são muito cobrados pelo seu desempenho, levam para casa grande quantidade de trabalho e enfrentam em sala de aula desgastes na relação com os alunos.

Para a docente do curso de Psicologia da Faculdade UniBRAS Santa Inês, Raniele Gomes, é preciso que todos da comunidade acadêmica repensem os tipos de relações que estão sendo construídas. “Muitas vezes um professor teve uma experiência ruim em sua formação, e não leva isso em consideração quando vai construir uma relação com o aluno, pelo contrário”.

Segundo Raniele, ela já se deparou com situações de adoecimento mental de alunos por conta de relações abusivas de docentes, principalmente quando ainda era mestranda e acabou presenciando o adoecimento de colegas. “Quando eu estagiava, ainda na clínica, atendi um rapaz que tinha como motivo para sua depressão a relação com seu orientador, que era muito hostil”, conta.

“Acredtito que é muito importante pensar que tipo de relação estamos construindo. Até que ponto estou revendo meu comportamento enquanto docente? Como posso ajudar meus alunos? Até porque eu também serei um modelo para eles. Será que estou os ensinando a se colocar no lugar do outro?”.

No entanto, a docente também lembra que é preciso enfatizar a necessidade de atenção ao professor. Para ela, jornadas duplas, desvalorização salarial, cobranças excessivas por parte dos alunos, além de mensagens no celular a qualquer hora do dia são fatores que pesam na saúde mental do docente.

“Há casos de professores que são ameaçados por alunos. Muitos professores precisam se posicionar, e ao fazerem isso, acabam coagidos pelos estudantes”, alerta. Para ela, toda a questão de autoridade e respeito tem mudado muito, de forma negativa. Esse também é um dos fatores que devem receber forte atenção quando o assunto é saúde mental no ambiente acadêmico.

Mobilização da comunidade acadêmica

Para além das atribuições de profissionais de saúde mental, é importante também que, entre todos da comunidade acadêmica, haja uma conscientização. E nesse sentido, a Pedagogia é uma área que também traz imensa contribuição para a melhoria da saúde mental no ambiente acadêmico.

O pedagogo e docente da UniBRASÍLIA EaD, Rafael Moreira, aponta que, é preciso olhar em específico para o ensino superior, é preciso estar de olho no que vem antes, ou seja, nos ensinos fundamental e médio. “Alguns alunos já trazem essas fragilidades das etapas anteriores. Quando eles chegam numa instituição que existe uma promoção da autonomia, incentivo à autonomia, e a questão da própria liberdade como um todo, alguns fatores podem contribuir para esse adoecimento”, argumenta.

Para o docente, é muito importante que esse aluno seja devidamente acolhido, mas também consiga criar essa autonomia e se livre de certas dependências emocionais e afetivas, já que é próprio do ensino superior exigir uma maturidade diferenciada.

Ele também destaca a necessidade de, desde as etapas anteriores, deixar claro qual é o papel do professor. Para o docente, é preciso entender que o professor tem autonomia, que às vezes ele vai sim usar da sua autoridade, exercer o seu papel. “Para ser um local saudável, precisamos entender que a instituição de ensino não é um local em que todo mundo entra e coloca regras. Existem regras, e elas precisam ser cumpridas e respeitadas, para que não se gere um ambiente de conflito, de confronto como um todo”.

“Pedagogicamente falando, nós precisamos ter um consenso sobre quem é esse aluno que chega. É preciso ter uma escuta sensível, uma fala afetiva como um todo. Depois, precisamos entender também os reflexo comportamentais do aluno em sala de aula. Se há retração, ou mesmo euforia. A partir daí, é preciso movimentar a equipe multidisciplinar”.

Rafael se atenta ao ambiente acadêmico, já que segundo ele é fundamental que se crie um clima em que todos possam de expressar, que se sintam à vontade, respeitados. Ele também destaca a necessidade de mobilização da comunidade, ações de conscientização e promoção de um clima organizacional mais saudável por meio de campanhas direcionadas.

Por último, o docente revela ainda a necessidade de estar de olho em todos, por meio de pesquisas e levantamentos, além de criar grupos de representantes de alunos para que as demandas da comunidade acadêmica sejam devidamente levantadas.

A psicóloga e docente Raniele Gomes também é enfática na necessidade de mobilização institucional para que seja promovida a melhor saúde mental no ambiente acadêmico. “Acredito que tanto aos alunos quanto aos docentes é necessário ter um acompanhamento psicológico. Ele não precisa, necessariamente, ser clínico, mas que haja mais momentos para que essas discussões sejam promovidas, e pessoas sejam sensibilizadas e incentivadas a buscar ajuda”, diz.

“É importante compartilhar, é importante conversar com os colegas, e também procurar ajuda profissional. Pode ser necessário também buscar apoio pedagógico, para fazer da instituição de ensino um local mais leve”.

Atenção: esse texto trata de assuntos sensíveis sobre saúde mental. Caso sinta algum desconforto sobre a temática e precisar de ajuda, pode contar com o apoio do Centro de Valorização da Vida (CVV), clicando aqui ou ligando 188. O serviço é grátis e funciona 24h, todos os dias da semana.

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